quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Amendoar


A minha Mãe é algarvia. 
Na cozinha, não há grandes estórias para contar. Há lembranças.

A despensa era um cubículo onde eu entrava muitas vezes. Para além de procurar matar a fome ou a gula, era onde me escondia, no escuro. As prateleiras tinham coisas pouco apetecíveis. Raras eram as vezes que via por lá pacotes de bolachas ou outros, brilhantes e atractivos. A minha Mãe cuidava bastante da nossa alimentação e excluía doces e salgados que nos fizessem mal. Posso dizer que fiquei traumatizada, um bocadinho, quando avistava doces em casas de amigas ou família saltava-lhes para cima como uma pequena selvagem. 
No final correu bem, cresceu em mim a vontade de me alimentar de forma saudável e consciente.

A roda dos alimentos era um tema de conversa.

E as amêndoas? As amêndoas torradas eram um luxo.
Era aqui que me chamava. Uma tarefa simples, demolhar as amêndoas com pele em água bem quente; descascar quando a água estivesse capaz de lhe tocar; lavar e secar; tostar na cloche; guardar em frascos. Colocá-los na despensa. Lembro-me de lá ir, a céu aberto e às escondidas. 
Um frasco não durava muito, era uma iguaria viciante. Havia surpresas de desnivelamentos rápidos e eficientes.

A minha Mãe tem umas mãos muito bonitas, não trabalharam muito na cozinha, fizeram outras coisas. Escreveram muito em papel nas noites em que depois de jantarmos se dedicava ao trabalho, a sua paixão.

Mas tiraram a pele a amêndoas, descascaram marmelos, descascaram favas, fizeram arroz-doce da receita da Avó. Está bom e bonito.

Obrigada, 
Cláudia 





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