quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

À espera que a maré suba e as estrelas cheguem ao céu


Os pés são o nosso contacto com a terra. Pés bonitos não são para todos e gostar de pés também não.
Os meus são meus, eu gosto deles. O segundo dedo é grande, maior que o primeiro. A fisionomia do pé tem leituras, a minha, é que nasci assim e que às vezes é uma chatice ter este dedo grande porque bate em tudo. Já sofreu muitas cacetadas, chegar primeiro nem sempre é bom, deduzo.
As veias são salientes, têm a quem sair. Todo o pé é delgado, com uma boa curvatura, já dançou muito em pequena, deixou marcas no seu coupé, já fez muitas asanas e apelou ao enraizamento no tapete.

Em criança gostamos de molhar os pés, eu gosto de molhar tudo. Já tomei banho nos meses mais frios do ano, é uma questão de coragem. Sabe sempre bem. Este vai-vem das ondas, o mergulho, a frescura, o gelado, a limpeza, o sal na pele, este berço embrião tão sincero.

Cheguei ao mar por este caminho, tão agreste, árido e rico de natureza. Os cheiros e sons variam conforme caminho. Ao ouvido soa o piar dos pássaros, as ondas a baterem fortes nas rochas, e o vento. Ao olfato, as estevas e a maresia.

Cá em baixo um buraco, uma enseada, uma praia onde chega em pequenas quedas a água vinda da Serra carregada pelas águas da chuva. Encontro a pequena foz, entre pedras e imagino como se vão encontrar quando a maré subir. Afinal a água é só uma e estes são os meus pés.

Obrigada,
Cláudia.


"Os mares são como o sangue: parecem muitos mas são todos um só."
O Bebedor de Horizontes, Mia Couto.



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