domingo, 25 de setembro de 2022

É possível fazer uma pausa?

Preciso de uma pausa na jornada interior. É possível? Não sei se será possível, é como dizer ao coração para deixar de bater. Mas há um certo cansaço quando se vai fundo, quando se interioriza a revolução, a raiva e a felicidade. Às tantas torna-se numa salada de fruta tão intensa onde não vou conseguir digerir essa mistura. Então, vou fazer uma pausa. 

Acho possível, é só não pensar (muito) - acho que "não pensar" vai sempre vir acompanhado deste "muito" entre aspas.

O meu amigo Gabriel Soeiro Mendes fez 40 anos há poucos dias e escreveu:

"Se há coisa que tenho aprendido é que ser adulto não é fácil e que à medida que os anos passam são cada vez mais raros os momentos de pura felicidade."

Enquanto pensava por segundos o que é a felicidade, pensei na minha filha e percebi rapidamente que a felicidade, nessas idades, ainda não tem espaço num dicionário mental, apenas se vive, se desfruta, se abraça, se realiza. 

Na maturidade, a felicidade vem de dentro para fora e não de fora para dentro. Traços largos, pincéis gordos e folhas grandes, porque este não é o momento para pormenores.

Este é um bom momento de pausa na jornada interior.

Obrigada,
Cláudia


A caminho da Trafaria numa pequena viagem, de carro, a pé e de barco.


terça-feira, 28 de junho de 2022

Daqui para ali


A felicidade é um pico.
A tristeza é um pico.

Os picos picam. E quando ficas lá muito tempo dói. 
Quando tropeças na felicidade, sabe bem.
Na tristeza já parece que te inundaste. 

Separar, para quê?
Vamos juntar as duas e conseguir estar sem nos queixarmos, sem perder os músculos da face, perder o sentido do que nos rodeia, sorrir sem compromisso. 

Estarmos aqui, sem estarmos ali.
E daqui para ali, são passos, são sol que nasce e lua que cresce. 
Separados mas juntos. São a meias, no meio indivisível.

Só fica lá quem quer. A meio.
Vamos lá, com coragem!


Nada muito profundo, porque fundo já lá eu estou.

Obrigada,
Cláudia



segunda-feira, 11 de abril de 2022

Começar o dia, deixar a noite


Há muitos dias que começo o dia a cozinhar.
Hoje foram as couves. Sem óculos não lhes vejo as pontas que o agricultor arrancou.
Vai tudo, são frescas. 

Esta ação espontânea que me liga de imediato ao alimento, ao fogo e à relação que temos com aquilo que a vida nos dá. Uma afirmação que preciso de dar, em resposta ao investimento que fiz. A terra dá, nós transformamos.

Uma frase soou um dia: quero colher, não quero comprar.
Debato-me com esta relação. O verbo, a ação, a intenção, a ideia, a realização e a frustração.

Frustrante, sem resultados.
Deixar essa sensação libertar-se escorrendo, sem lhe dar importância. 
Matéria que vive o seu caminho sem pedir licença. 

Uma pausa nos conceitos, na vida, nas perguntas sem respostas.
Numa frustração que alcança o topo sem esperar que a vista seja aquilo que sempre foi.

Gratidão, 
Cláudia






domingo, 3 de abril de 2022

Feitas as contas

O que dei ou o que não dei
O que amei ou deixei por amar

Parto de uma ilha
olho para trás e observo
Estou dentro, não sinto o tamanho
Sinto a minha pequenez

Daqui parto para dentro
Quando coloco cá fora
o que mais precioso me impele


O que dei ou o que ficou por dar
O amor em pequenos gestos, ou a ausência de amor em grandes sonhos

O que ficou feito, ou o que ficou por fazer.

Gratidão, 
Cláudia.




























A luz que entra ao final do dia na minha janela.
Os cabelos despenteados e desorganizados.
As mãos delicadamente a envelhecer.
O olhar que continua a procurar.

domingo, 27 de março de 2022


Observar fora


Olhar com olhos de ver.
É ver cá dentro,
é sentir a seiva que circula
e que segue o seu caminho.

Procura e encontra,
observa nela o melhor do pulsar.
De um só coração que nos agrega,
encontrando o céu e a terra.

Oiçam em silêncio. 
Na natureza não há competição. Em nós não há competição. 

Gratidão,
Cláudia

Árvores e plantas que não sei identificar.
Jardim da Estrela, num domingo. Sem pessoas, com muitos pássaros.




 

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Estou exactamente onde quero estar.

Depois de agir menos bem, penso. Considero o facto de que saio de mim, às vezes e nem sempre consigo voltar. Comigo levo palavras menos bonitas, invado o espaço e crio sensações que despertam alguma nostalgia sobre aquilo que na verdade somos.

Acordo com alguma ansiedade. Será que vou ser capaz de voltar atrás? Não sou, apenas abro as portas daquilo que realmente importa: o amor.


Faço o que tenho a fazer, todos os dias, porque me faz sentir bem, relaxada, próxima de mim e dentro de mim. Depois ajudo uma outra alma, ou tento. Lavada em lágrimas sinto essa dor e um nó forte na garganta. "Diz o que tens para dizer".  Apercebo-me que as lágrimas não são minhas, apenas estou a deixá-las sair. Acredito.

Faço café, deito-me na cama e começo a ler um livro. Quando volto à leitura parece que tudo faz sentido. Em especial, as palavras de alguém tão longe que me parece próximo.

Apercebo-me que estou exactamente onde quero estar. Neste conforto, nesta dádiva, numa vida que vivo intensamente, entusiasmada, que me leva a crer que somos todos iguais. Sofremos, rimos, pensamos, procuramos a paz, a razão de viver, a essência da vida. Materializamos a compaixão pelo sofrimento do mundo.

A Antena 2 fala e faz-se ouvir de melodias lindas de compositores que conheço de nome, não sou capaz de identificar mas sou muito capacitada para ouvir. As notas são um fio de pequenas e grandes recordações.

Voltando à vida, é bom sentir esta grandiosidade, este preenchimento, sem apego. Escrever é um respirar, não fica retido, apenas entra e volta a sair.

Gratidão,
Cláudia

biovilla

Biovilla

marvao
Marvão


quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Amendoar


A minha Mãe é algarvia. 
Na cozinha, não há grandes estórias para contar. Há lembranças.

A despensa era um cubículo onde eu entrava muitas vezes. Para além de procurar matar a fome ou a gula, era onde me escondia, no escuro. As prateleiras tinham coisas pouco apetecíveis. Raras eram as vezes que via por lá pacotes de bolachas ou outros, brilhantes e atractivos. A minha Mãe cuidava bastante da nossa alimentação e excluía doces e salgados que nos fizessem mal. Posso dizer que fiquei traumatizada, um bocadinho, quando avistava doces em casas de amigas ou família saltava-lhes para cima como uma pequena selvagem. 
No final correu bem, cresceu em mim a vontade de me alimentar de forma saudável e consciente.

A roda dos alimentos era um tema de conversa.

E as amêndoas? As amêndoas torradas eram um luxo.
Era aqui que me chamava. Uma tarefa simples, demolhar as amêndoas com pele em água bem quente; descascar quando a água estivesse capaz de lhe tocar; lavar e secar; tostar na cloche; guardar em frascos. Colocá-los na despensa. Lembro-me de lá ir, a céu aberto e às escondidas. 
Um frasco não durava muito, era uma iguaria viciante. Havia surpresas de desnivelamentos rápidos e eficientes.

A minha Mãe tem umas mãos muito bonitas, não trabalharam muito na cozinha, fizeram outras coisas. Escreveram muito em papel nas noites em que depois de jantarmos se dedicava ao trabalho, a sua paixão.

Mas tiraram a pele a amêndoas, descascaram marmelos, descascaram favas, fizeram arroz-doce da receita da Avó. Está bom e bonito.

Obrigada, 
Cláudia